Cenário incerto, juros altos e preservar caixa para reduzir endividamento explicam decisão

Isso ocorre mesmo num cenário de melhoria nos resultados das companhias – com alta na receita e no lucro no acumulado no ano – numa sinalização de que ainda há uma dose de cautela das companhias em já começar a destravar novos desembolsos, ou acelerar o nível de investimentos atual.

Taxa de juros mantida em patamar ainda elevado, em 10,5% ao ano, que encarece as dívidas, pesa nessa conta, mas há gestores que veem espaço para uma aceleração mais consistente nos investimentos após 2025, se juros perder força e mercado de trabalho se mantiver aquecido.

 

Nas companhias que fazem parte da carteira do Ibovespa, principal índice da bolsa, e que atuam na área de consumo de produtos e serviços, os investimentos representaram 3,9% da receita líquida de janeiro a junho, frente a um percentual maior, de 4,76% no mesmo período de 2023, segundo dados coletados em 23 empresas abertas, de consumo e serviços, incluídas no índice.

Enquanto a receita líquida alcançou R$ 320,1 bilhões, avanço de 7%, os investimentos caíram numa velocidade maior, de 10,2%, para R$ 12,8 bilhões.

 

No segundo trimestre do ano, o cenário se repete, com uma relação entre receita e investimentos de 4,37%, versus 5,98% em igual intervalo do ano anterior ns companhias analisadas.

 

A grosso modo, equivale a dizer que a cada R$ 100 faturados, foram aplicados pelas empresas pouco mais de R$ 4 de abril a junho, versus desembolso de R$ 6 um ano antes.

 

Há esse recuo porque, enquanto a receita líquida se expandiu 8,7% de abril a junho nas empresas analisadas, os investimentos sofreram uma diminuição de 20,5%.

 

Para Luís Leal, economista-chefe e sócio da G5 Partners, um aumento nos investimentos das empresas logo após a pandemia, que elevou gastos para atender o consumo, e, depois disso, a desaceleração na demanda entre 2021 e 2023, fez as companhias puxarem o freio de mão nos últimos tempos.

Hoje, a receita na venda de produtos e serviços mostra aceleração, segundo os dados do IBGE, mas o baque recente ainda afeta a estratégia dos grupos, diz ele. “A probabilidade de manutenção de juros nesse patamar atual por um tempo, ou até uma eventual alta da Selic, só reforça essa linha de cautela adotada”, diz ele.

Na opinião de Eugênio Foganholo, consultor e assessor de indústrias e varejistas, ainda há uma falta de visibilidade sobre demanda das empresas ligadas a consumo, o que afeta projetos no curto e médio prazos. “Estamos vendo ainda muito ‘sobe e desce’ nos desempenhos mês a mês. Não há uma retomada contínua para uma parte dos segmentos, e essa desigualdade gera um ambiente de incerteza, que afeta investimentos”, diz Foganholo, diretor da Mixxer Desenvolvimento Empresarial.

Segundo ele, há dificuldade, inclusive, de mapear desempenho de curto prazo. “Você fala com as empresas e elas dizem que um determinado mês foi bom e outro ruim, mas não sabem ao certo o que aconteceu para isso. É algo que eu não via há muito tempo, e se chegam a razões aleatórias, então a previsibilidade anda baixa”, diz.

Além disso, ainda há uma necessidade de manter caixa protegido, melhorar a rentabilidade e reduzir os indicadores de endividamento, que são impactados diretamente pela saída de investimentos.

Quando as empresas seguram caixa, os recursos entram no cálculo da dívida líquida, diminuindo essa linha e melhorando os indicadores financeiros de endividamento dos balanços.

Na prática, essa cartilha tem sido seguida pelas empresas voltadas a mercado doméstico após a crise da pandemia, quando os juros dispararam e a inflação retornou, mas ainda está no discurso de parcela dos grupos.

Na Alpargatas, dona da Havaianas, os investimentos caíram de quase R$ 210 milhões de janeiro a junho de 2023 para R$ 35 milhões neste ano, enquanto a receita líquida avançou 6,3%. Uma revisão de foco de atuação da companhia, atenção maior à margem e melhor uso dos próprios recursos levou a esse recuo nos desembolsos. “[A queda de investimento] reflete as novas políticas e critérios de priorização de projetos”, disse o grupo no balanço do segundo trimestre.

No varejista GPA, controlador da rede Pão de Açúcar, os investimentos caíram 13% no primeiro semestre, e a receita subiu 2,5%. A companhia tem avançado numa reestruturação que envolve queda no endividamento neste ano e uma alocação do dinheiro mais de forma mais racional.

“Os recursos tem sido aplicados em lojas de vizinhança [minimercados] que tem menor metragem, e exigem menos gastos, e são lojas que as vendas vem crescendo acima da média do grupo”, diz uma fonte a par da estratégia.

Já no setor de saúde e educação, o fato de as empresas terem feito desembolsos altos em anos anteriores, criando base de comparação mais forte, acabou pesando nos números deste ano. Uma das empresas nessa situação é a Yduqs, dona da Estácio, que gastou na construção de uma infraestrutura de tecnologia entre 2020 e 2022, e depois esse ritmo perdeu força.

No fim de 2021 e de 2022, a relação entre receita e investimento alcançou 12,4% e 10,8%, respectivamente, mas no segundo trimestre, o índice estava em 7,5%. Apesar desse efeito da base dos investimentos anteriores, em entrevista na edição de hoje, no Valor, o comando da companhia chama a atenção para um mercado em ensino à distância e presencial mais fraco neste ano, por conta da população ter mais limitações nos gastos.

Na visão de Daniel Lombardi, sócio-diretor da G5 Partners, que faz gestão de patrimônio, fusões e reestruturações, é preciso considerar o impacto do aumento dos gastos destinados para jogos e apostas por parte dos consumidores, que entrou no radar das empresas neste ano. Apesar de não ser um definidor de investimentos, ele diz que isso começa a comprometer renda. “As ‘bets’ estão comprometendo a capacidade de financiamento do consumidor”, disse ele.

Os dados de investimento do levantamento referem-se ao valor do “capex” (sigla em inglês de “capital expenditure”, ou despesas de capital), que soma gastos em equipamentos, prédios, lojas, marcas, tecnologia, entre outros, que gerem produtividade e lucro maior.

Foram considerados 23 balanços de empresas de saúde (Fleury, Rede D’Or, Hapvida), educação (Cogna, Yduqs) varejo (Assaí, Azzas, Carrefour, GPA, Magazine Luiza, Renner, RD, Petz, Vivara), indústrias de consumo (Alpargatas, Ambev, Natura, BRF, JBS, Hypera) e construção civil (Cyrela, Eztec, MRV).

Para os cálculos, foi considerada apenas a receita das empresas no mercado local, sem incluir a receita no exterior, caso existisse. E sobre os investimentos, foram incluídas só o das empresas em que mais da metade da venda ou do lucro operacional tenha vindo do mercado local.

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